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A Declaração Balfour

October 11, 2024

2 de novembro de 1917

Hurewitz, J.C. The Middle East and North Africa in World Politics, A Documentary Record . 2a edição, Revisada e Ampliada. New Haven: Yale University Press, 1979. 106. Print. Vol. 2 of British-French Supremacy.

Origens da Declaração

A Declaração Balfour foi a carta de concessão de privilégios ao povo judeu a qual Herzl não conseguiu obter do sultão do Império Otomano vinte anos antes. Os termos da declaração foram incluídos no preâmbulo dos Artigos do Mandato da Palestina (1922), e obtiveram sanção internacional e legitimidade política pela recém criada Liga das Nações.

Muitos historiadores do sionismo e de Israel consideram a Declaração como parte da evolução política — desde o Estado judeu de Herzl (1897), até os Artigos do Mandato (1922) e a resolução de partilha aprovada pela ONU (1947) que propunham a criação de um Estado árabe e judeu na Palestina — que por fim culminou na Declaração de Independência (1948). Os interessados na deslegitimação de Israel argumentam que a Declaração Balfour, e por conseguinte, tudo o que é baseado na sua legitimidade, como o Mandato da Palestina ou o Estado de Israel, é nulo e sem efeito. Esta foi a

posição oficial da maior parte do mundo árabe até uma boa parte dos anos 1990.

A emissão da Declaração fez com que os adeptos do sionismo se sentissem eufóricos. O reconhecimento do seu desejo de formar uma pátria significava que o movimento sionista havia recebido permissão, primeiro da Inglaterra, uma grande potência, e posteriormente da Liga das Nações, para realizar a meta sionista de estabelecer uma base territorial que pudesse expressar a identidade judaica e garantir o direito aos judeus de se instalarem novamente na terra que Deus lhes havia prometido. Para os cerca de 40.000 judeus que imigraram entre 1880 e 1917 para a Palestina e adquiriram terras para construir assentamentos, a emissão da Declaração confirmava que a sua opção ideológica e física de retornar à terra dos seus antepassados era um ato justo. Para os judeus no mundo todo, que durante séculos viveram como minorias e em certas ocasiões enfrentaram condições extraordinariamente adversas, frequentemente sujeitos aos caprichos dos governantes, a proteção de uma grande potência significava uma importante ruptura política com o passado do povo judeu. As 102 palavras contidas na Declaração afirmavam a permissão para a construção de um lar nacional e também apelavam para a proteção dos direitos civis e religiosos da população não judaica.

Para os judeus que não eram sionistas ou que se opunham ao sionismo, a Declaração causou não apenas preocupação, mas profunda consternação. Seriam então os judeus não sionistas da Grã Bretanha rotulados como cidadãos desleais porque outros indivíduos com a mesma denominação religiosa estavam entusiasmados para ter uma pátria em outro lugar?

Estes judeus que se opunham ao sionismo acreditavam na igualdade judaica ou na sua emancipação nos países em que viviam, não em um lar nacional para os judeus. Estes judeus não eram suficientemente organizados e a forma como raciocinavam não os deixava ter uma percepção a curto ou a longo prazo.

O estabelecimento de um lar nacional judeu na Palestina com o apoio da Grã Bretanha se encaixava convenientemente com os amplos interesses estratégicos britânicos no Oriente Médio. Antes, durante e após a Primeira Guerra Mundial, os interesses estratégicos dos britânicos incluíam o estabelecimento de uma “faixa de terra” desde o Golfo Pérsico até o Mediterrâneo para garantir sua influência econômica e política, e também o controle desde a Índia até o Egito. Para os britânicos, a Declaração foi um dos muitos pilares que assegurarama influência britânica e o controle territorial sobre o Oriente Médio, conectando seus aliados, clientes, reis e líderes tribais do mundo árabe em um cobiçado sistema geopolítico de influência por toda a região. Esta estratégia incluía os acordos com os líderes tribais árabes nos seguintes países: Iêmen, Omã, Kuwait, Catar, Afeganistão e na Península Árabe. De acordo com a Grã Bretanha, era necessário manter a Palestina como um escudo geográfico para a presença britânica no Egito e a proteção do Canal de Suez. Assim, os interesses sionistas e britânicos convergiram em uma simbiose viável eoperacional.

Para os árabes que viviam na Palestina, em particular para as elites detentoras de terras e engajadas em política, a Declaração representava diversos problemas. Primeiro, com o estabelecimento de mandatos para as regiões árabes do então extinto Império Otomano, franceses e britânicos implementaram algumas medidas para aumentar a eficiência administrativa de regiões dominadas por algumas poucas famílias poderosas. Segundo, a aprovação do desenvolvimento do sionismo significava que os britânicos não estavam focados em colocar a elite árabe local no controle da política. As elites árabes das principais localidades da Palestina ficaram tão desapontadas que resolveram não reconhecer oficialmente o Mandato britânico. Em vez disso, a liderança política boicotou sua participação oficial com os britânicos. O conteúdo e as intenções da Declaração Balfour foram consideradas repugnantes pelos árabes. Apesar da fúria pública causada pela Declaração e a sua inclusão na configuração do Mandato, a população árabe local participou de alguns conselhos, comissões, comitês e investigações que avaliavam as questões das políticas públicas na Palestina. Em outras palavras, em público, a liderança política árabe protestava genuinamente e com frequência contra a presença britânica e a defesa da ideia do estabelecimento de um Lar Nacional Judeu, mas no cotidiano, muitos árabes cooperavam com os britânicos e até mesmo com os sionistas nas execuções diárias doMandato.

As origens da Declaração

Quando a Declaração foi emitida em 1917, ela havia evoluído de discussões pré-guerra na Inglaterra e de intercâmbios diplomáticos durante a guerra. Na Inglaterra, o Dr. Chaim Weizmann – que residia em Manchester, na Inglaterra, desde 1906, e que se tornaria o presidente da Federação Sionista da Inglaterra – tomou a iniciativa de motivar os oficiais do governo britânico a garantir a Palestina para os interesses sionistas. Os governos da França, Alemanha e Rússia também foram abordados para que dessem apoio durante a guerra, mas se recusaram. Em outubro de 1915, a Organização Sionista preparou para o governo britânico o primeiro memorando oficial sobre o Estado judeu. O memorando sugeria a criação de um Estado sob a forma de administração fiduciária, outorgando uma carta de autorização para a colonização à Organização Sionista, a qual permitiria a livre entrada de judeus no país,

desenvolveria a agricultura e a indústria, e abriria caminho para que a autoridade governamental fosse exercida pela comunidade judaica local. 1

As conversações entre sionistas e oficiais britânicos prosseguiram entre 1916 e 1917, de modo que as necessidades da Grã Bretanha pudessem ser melhor definidas e adequadas às aspirações dos judeus. Na época, algumas pessoas na Grã Bretanha acreditavam que os judeus tinham poder político significante em capitais da Europa e nos Estados Unidos. Os diplomatas britânicos realizaram um esforço conjunto por meio de seus embaixadores na França e na Rússia para encorajar os judeus do mundo todo a apoiarem as potências da Entente na guerra; em retorno, ofereceram a possibilidade de a Grã Bretanha apoiar o sionismo. Além disso, algumas pessoas na Grã Bretanha acreditavam firmemente que a Declaração ajudaria a mobilizar os judeus americanos a apoiar o esforço de guerra dos britânicos. Talvez mais importante, o alto escalão do governo britânico acreditava piamente que a Declaração Balfour seria fundamental para que os judeus russos, considerados por muitos britânicos como um bloco de importância decisiva no país, se distanciassem do bolchevismo e passassem a apoiar o Império Britânico e o esforço de guerra dos Aliados e da Entente. Estas suposições eram muito equivocadas; os judeus russos tinham opiniões bastante divididas sobre a questão sionista, e embora o socialismo fosse uma força poderosa entre os eles, ela se concentrava quase totalmente no campo menchevique. Essencialmente, os políticos britânicos foram levados a confundir o poder de uns poucos judeus bolcheviques influentes com o poder da comunidade como um todo, que não era nada influente nas questões russas como elesacreditavam.

Por volta de 1917, Sir Mark Sykes, que havia negociado o Acordo Skyes-Picot em maio de 1916, (o acordo secreto entre britânicos e franceses, que mais tarde se tornaria o esboço sobre como a Grã Bretanha e a França controlariam o Oriente Médio ao final da guerra), passou a ser de opinião que a Palestina não deveria ser uma zona internacional, mas que deveria ficar sob o controle britânico. Além disso, em meados de 1917, começaram a aparecer na imprensa alemã artigos “que davam muita importância ao movimento sionista, que mencionavam a importância de uma Palestina judia para a Turquia e o grande perigo que a Palestina judia sob o domínio da Inglaterra representaria às Potências Centrais (Turquia e Alemanha)…e sobre o desconforto da Alemanha com o trabalho dos sionistas nos países da Entente, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos.”2 Se a suposição de que os judeus poderiam influenciar o desfecho da guerra era ou não exagerada, o fato é que ela teve influência sobre o conteúdo e a emissão da Declaração.3 Sionistas como Chaim Weizmann, que trabalhou com afinco para obter a Declaração dos britânicos, pouco fizeram para mudar a impressão britânica de que os judeus e os sionistas tinham poder político muito maior que seu real poder para influenciar o desfecho da guerra.

Conteúdo da Declaração

Os dizeres finais da Declaração exprimiam o compromisso entre o que os sionistas desejavam e o que os britânicos necessitavam. Não se assemelhava, a não ser em espírito, ao memorando de 1915. Na frase: “O Governo de Sua Majestade se posiciona a favor do estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina”, os sionistas teriam preferido, por exemplo, o termo “restabelecimento”, para que fosse enfatizada a continuidade da presença judaica na Palestina, bem como o uso do termo “Estado” no lugar de “lar

1 The Israel Yearbook, 1950/51, Tel Aviv, Israel Publications Ltd., p. 25.

2 The Letters and Papers of Chaim Weizmann, Series A Lettters Volume VII, August 1914-November 1917, p. 440.

3 Leonard Stein, The Balfour Declaration, 345-48

nacional”. O secretário de Relações Exteriores britânico, Lord James Balfour, enviou a Declaração na forma de carta ao presidente da Federação Sionista da Grã-Bretanha, Lord Rothschild. Esse foi o primeiro documento internacional a definir uma entidade política como “lar nacional”, embora o termo tenha sido utilizado anteriormente pelos sionistas em seu primeiro congresso realizado em 1897. Na época, ninguém entendeu o escopo de um lar nacional, ou como ele era diferente de um Estado. Os sionistas interpretaram o termo “lar” como um lar para todo o povo judeu, e não apenas para os residentes da Palestina na época. A Declaração não ofereceu aos judeus um país ou um Estado com fronteiras definidas; ela deu a oportunidade para eles próprios criassem a sua pátria por meio de esforços que quisessem utilizar. No decorrer de vinte anos desde 1897, os imigrantes judeus na Palestina tinham começado a se organizar por conta própria e a acumular experiências práticas na defesa dos seus novos assentamentos, no entendimento das leis e práticas otomanas, no aprendizado do árabe e na recriação do hebraico como forma de vínculo linguístico entre os judeus vindos de diversas localidades da diáspora. A emissão da Declaração não provocou nada mais que declarações de apoio vindas de poucos órgãos ou organizações judaicas; nas décadas subsequentes, não houve imigração de judeus em larga escala. O sionismo, visto como uma ideia ou uma solução prática para resolver a insegurança dos judeus, ainda permaneceu sendo um movimento secundário entre os judeus do mundo todo.

Na Declaração, a Grã Bretanha diz que utilizará “todos os seus melhores esforços para facilitar” a criação de um lar nacional, “entendendo-se claramente que nada será feito para prejudicar os direitos civis e religiosos existentes das comunidades não judias da Palestina, nem nada contra os direitos e o status político que judeus gozam em qualquer outro país”. Os britânicos não citaram a população árabe na Declaração e nem se referiram à proteção de seus direitos políticos, apenas mencionaram seus direitos civis e religiosos. Mesmo assim, a Declaração falava afirmativamente sobre a questão de não prejudicar o status político desfrutado pelos judeus em qualquer outro lugar, uma concessão evidente aos judeus britânicos que se opunham totalmente ao sionismo, visto como uma ideologia que ameaçava confundir a sua identidade no Império Britânico.

É essencial conhecer quais eram as expectativas do governo britânico em relação a Declaração Balfour para o entendê-la como um documento de compromisso. Na época, os líderes britânicos eram praticamente unânimes que os judeus criariam um Estado. Em 1918, Lord Balfour comentou que esperava que “os judeus tivessem sucesso na Palestina e que futuramente fundassem um Estado”4 O primeiro ministro Lloyd George acreditava que os judeus se tornariam maioria na Palestina, e assim “a Palestina se transformaria em um Estado judeu”.5

Durante a primavera de 1917, Wilson, o presidente dos Estados Unidos, supostamente havia revelado ao Juiz da Suprema Corte Louis Brandeis que “simpatizava totalmente com os objetivos do movimento sionista e que concordava com a política de estabelecimento de uma pátria para os judeus sob o protetorado da Inglaterra”.6No entanto, aparentemente, foi só em 1919 que Wilson expressou seu apoio publico à Declaração Balfour. Da mesma forma como ocorreu quarenta anos depois, quando se apresentou a questão sobre o reconhecimento de Israel, a Casa Branca estava mais disposta que o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

4 Howard M. Sachar, A History of Israel from the Rise of Zionism to our Time, Second Edition, Knopf, 2000, p. 110 5 Howard M. Sachar, A History of Israel from the Rise of Zionism to our Time, Second Edition, Knopf, 2000, p. 110 6 The Letters and Papers of Chaim Weizmann, Series A Lettters Volume VII, August 1914-November 1917, pp.406- 07.

a reconhecer as aspirações judaicas/sionistas na Palestina. Em 1922, a Câmara dos Representantes e o Senado dos Estados Unidos apoiaram a Declaração Balfour. Quando a Câmara dos Representantes apoiou a Declaração, foi citado um trecho dela, porém acrescentado:“nada será feito para prejudicar os direitos civis e religiosos dos cristãos e de todas as outras comunidades não judias na Palestina, e os Lugares Sagrados, edificações e locais de significância religiosa na Palestina deverão ser adequadamente protegidos.

Conclusões

Após a criação do Estado de Israel, os oponentes do sionismo questionaram a validade da Declaração Balfour, pois eles a consideravam incoerente com a meta de autodeterminação dos árabes que viviam na Palestina na época. A Carta da OLP, por exemplo, afirma que tudo que tem como base o Mandato da Palestina (o que inclui a Declaração Balfour) é nulo e sem efeito. Esta era a posição oficial da maior parte do mundo árabe (com exceção do Egito e da Jordânia) até uma boa parte dos anos 1990. Tal raciocínio, evidentemente, desconsiderava a legitimidade dos judeus a terem os mesmos direitos que eram considerados apropriados para as comunidades árabe e não árabe que viviam anteriormente sob o domínio otomano. Além disso, a maioria havia esquecido que a tanto a autodeterminação baseada no sufrágio universal como no sufrágio masculino das populações árabes locais era uma questão completamente desconhecida em todas as partes do Oriente Médio na época. Os árabes ilustres daquela época na Palestina, na Síria, no Iraque, no Líbano e na Península Árabe não eram proponentes da autodeterminação; em vez disso, estavam interessados em perpetuar a sua própria família, tribo ou seu domínio local sobre regiões, vilarejos, cidades e municípios. Em lugar de considerarem a Declaração Balfour como parte de um compromisso geral entre a Grã Bretanha e a França para a utilização conjunta de seu poder e influência com o objetivo de assegurar seus interesses geográficos e territoriais no Oriente Médio, os oponentes de Israel e do sionismo caracterizaram a Declaração Balfour como uma aberração injustificada. De fato, conforme mencionado anteriormente, a Declaração fazia parte de um conjunto de uma dúzia ou mais de acordos e entendimentos que a Grã Bretanha havia estabelecidocomos líderes árabes do Levante, da Península Árabe e do Golfo Pérsico, antes, durante e após a guerra. A emissão da Declaração é frequentemente retratada como uma contradição direta do entendimento alcançado pelos oficiais britânicos com Sherif Hussein e sua família em Meca, durante 1914 e 1915, e das promessas realizadas aos líderes árabes no final da guerra. Questões sobre o que foi prometido, quem havia prometido e o que foi deixado de lado geograficamente provocaram um debate histórico e historiográfico aparentemente interminável. As emoções associadas ao conflito árabe-israelense nos anos 1960 em diante causaram o abando das discussões sobre a legitimidade conferida pela Grã Bretanha aos sauditas, hachemitas, sabás e outros líderes árabes por todo o Oriente Médio, incluindo as principais famílias árabes na Palestina, que acabaram dominando a política árabe por décadas após a emissão da Declaração. A Declaração Balfour não foi uma aberração para a grande potência, a qual buscava o maior número possível de clientes para garantir a sua presença no Oriente Médio. Para os sionistas, entretanto, a Declaração foi a confirmação de que o direito ao estabelecimento de um lar internacional era um compromisso legítimo, ratificado pela Liga das Nações e mais tarde pelas NaçõesUnidas.

–Ken Stein, 2007

Caro Lord Rothschild,

Tenho o grande prazer em expressar, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações dos judeus sionistas, declaração submetida ao Gabinete e aprovada por ele.

“O Governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina, e utilizará de todos os seus melhores esforços para facilitar a realização deste objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito para prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judias existentes na Palestina, nem nada contra direitos e o status político que os judeus gozam em qualquer outro país.

Ficarei agradecido se puder encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.

 Atenciosamente, Arthur James Balfour

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