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O novo Yishuv: Uma introdução

December 19, 2024

O período do novo Yishuv durou desde os últimos 40 anos do governo otomano na Palestina, perdurando ao longo Mandato Britânico até o estabelecimento de Israel em 1948. Neste período, houve um crescimento da comunidade judaica, passando de 24 mil pessoas em 1882 para aproximadamente 650 mil em maio de 1948, enquanto a população árabe aumentou de 300 mil para cerca de 800 mil.

Nestas sete décadas, o sionismo, em sua busca pelo restabelecimento de um território nacional judaico, conseguiu criar a realidade política de Israel. As instituições políticas, organizacionais, financeiras, societárias e de autodefesa sionistas evoluíram e cresceram até se transformarem no marco estrutural do que se tornou Israel. Coletivamente, estas instituições formaram o alicerce para um Lar Nacional Judeu, promovendo a autossuficiência e a unidade. Tendo vivido em múltiplas diásporas como minorias durante séculos, antes da evolução do sionismo moderno, os judeus foram obrigados a confiar uns aos outros e a desenvolver estruturas e experiências pequenas, autônomas e de autogoverno que os imigrantes judeus levaram consigo quando chegaram na Palestina ou em qualquer outro lugar. Décadas, se não séculos, de sobrevivência comunitária judaica na diáspora originou o desenvolvimento de organizações que serviam às necessidades judaicas e sionistas à medida que o Estado evoluía, para então transformá-las naturalmente em órgãos do Estado israelense.

O novo Yishuv se expandiu além das comunidades judaicas tradicionais do velho Yishuv, que estavam concentradas em quatro cidades sagradas: Jerusalém, Hebron, Safed e Tiberíades Durante o novo Yishuv, os colonos judeus formaram colônias agrícolas em planícies costeiras, vales e aldeias, fomentando comunidades urbanas e rurais modernas. As organizações sionistas, particularmente a Organização Sionista Mundial (OSM), criada em 1897, teve um papel crucial ao prestar assistência à imigração e ao assentamento dos judeus. Em 1908, a criação do Escritório da OSM na Palestina formalizou os esforços para facilitar a imigração judaica, a criação de instituições e a aquisição de terras.

Entre as organizações mais importantes estavam o Fundo Nacional Judaico (fundado em 1901), o Keren Hayesod (1920) e a Agência Judaica (1921). Respectivamente, adquiriram e realizaram melhorias nas terras, arrecadaram fundos para apoiar a imigração judaica e o desenvolvimento infraestrutural, e se tornaram o centro político reconhecido e consultado pela administração britânica que governava a região. Além disso, a Haganá, uma organização de defesa judaica, oferecia segurança às comunidades judaicas, especialmente à medida que aumentavam as tensões com a população árabe.

Mandato Britânico e Declaração Balfour

O período do controle britânico sobre a Palestina, que começou após a Primeira Guerra Mundial e foi formalizado sob o Mandato da Liga das Nações em 1922, foi marcado pelo conceito de uma “dupla obrigação” de facilitar o estabelecimento de um Lar Nacional Judeu e ao mesmo tempo proteger os direitos civis e religiosos de todos os habitantes da Palestina, conforme prometido na carta assinada pelo secretário de Relações Exteriores Arthur Balfour em 1917. Entretanto, os compromissos com as comunidades judaicas e não judaicas não foram idênticos. Aos sionistas foi prometida a oportunidade de desenvolver uma presença política dinâmica, declarada como uma “pátria”, e aos árabes foi oferecida a defesa de seus direitos civis e religiosos.

A administração britânica procurou implementar políticas para equilibrar estes compromissos ou interesses duplos. O governo do mandato teve a tarefa de promover a imigração judaica e facilitar o assentamento dos judeus nas terras. O artigo 4 do mandato reconhecia a Agência Judaica como uma entidade pública para cooperar com a administração, especificamente em questões econômicas e sociais. Os artigos 6 e 11 enfatizavam ainda mais a imigração judaica e o assentamento nas terras, e ao mesmo tempo salvaguardavam os direitos das outras comunidades. Enquanto os britânicos ofereceram à comunidade árabe oportunidades para desenvolver suas próprias instituições políticas, como uma Agência Árabe semelhante à reconhecida Agência Judaica, a liderança árabe na Palestina rejeitou a proposta, desejando, ao invés disso, o cancelamento da intenção da Declaração Balfour de promover um Lar Nacional Judeu na Palestina.

O crescimento institucional do Yishuv

Durante o mandato, a comunidade judaica se organizou por meio de uma série de instituições comunitárias que gradualmente se converteram no arcabouço das instituições nacionais. Estas, por sua vez, formaram esqueleto dos departamentos e ministérios para o futuro Estado. A Agência Judaica, expandida em 1929, representava os interesses comunitários judaicos em cooperação com a administração britânica, embora a Agência Judaica refletisse múltiplas visões sobre as filosofias sionistas. Assim, enquanto o objetivo do lar nacional de estabelecer uma presença geográfica ou territorial sólida era quase unânime, as opiniões pluralísticas sobre a natureza do sionismo viviam em paralelo ao compromisso com o objetivo maior. A Histadrut (Organização Geral dos Trabalhadores), fundada em 1920, teve um papel decisivo no desenvolvimento da força de trabalho e da economia judaica, organizando sindicatos e criando empresas cooperativas como a Solel Boneh, uma empresa de construção responsável por grandes projetos de infraestrutura. A estrutura política da comunidade judaica também evoluiu com o Va’ad Leumi (Conselho Nacional) atuando como corpo governante para assuntos judaicos internos. Ele administrava as questões civis e religiosas, ou pelo menos tentava reconciliar os diferentes pontos de vista.

Estas instituições promoviam um forte senso de identidade nacional judaica e autoconfiança, preparando o Yishuv o estabelecimento de um Estado. Os assentamentos agrícolas comunitários — kibutzim ou moshavim — se converteram em elementos centrais da vida rural judaica, refletindo os ideais socialistas que guiavam grande parte do pensamento sionista. A capacidade do Yishuv para estabelecer instituições autônomas, seu enfoque na educação e seus serviços de saúde e de defesa contribuíram para a resiliência e o crescimento da comunidade judaica, mesmo em face das crescentes tensões com a população árabe.

Mudanças e conflitos na política britânica

Apesar do apoio inicial dos britânicos à imigração judaica, os crescentes tumultos entre judeus e árabes provocaram diversas mudanças na política britânica. Os distúrbios de 1929, em que 69 judeus foram mortos em Hebron e em outros locais, e a Revolta Árabe de 1936-1939, em que um grande número de árabes se revoltaram contra a administração britânica e o crescimento demográfico e físico judaico, expuseram a arraigada oposição árabe à imigração judaica, à aquisição de terras e ao estabelecimento de um Estado. Como resultado, o governo britânico publicou o Livro Branco de 1939, que limitava severamente a imigração judaica em até 75 mil pessoas ao longo dos próximos cinco anos e restringia a aquisição de terras pelos judeus. Como esperado, a comunidade judaica se opôs veementemente a estas políticas, que contestavam de forma direta o objetivo sionista de desenvolver um lar nacional. No final da década de 1930, além das restrições impostas à imigração judaica para a Palestina, existiam atitudes negativas governamentais em relação aos judeus que buscavam liberdade, asilo ou refúgio na América do Norte e em partes da Europa, onde as perseguições antissemitas alcançavam níveis jamais vistos anteriormente.

A comunidade judaica respondeu organizando operações de imigração clandestina, conhecidas como Aliá Bet, para trazer os judeus europeus para a Palestina ilegalmente. Além disso, as organizações militares judaicas clandestinas como o Irgun e Lehi (a Gangue Stern) executavam uma resistência armada contra o domínio britânico, aumentando as tensões na esperança de colocar um fim na presença administrativa britânica e acelerar o estabelecimento de um Estado a partir do crescimento do Yishuv. A incapacidade do governo britânico de conciliar as exigências de judeus e árabes, aliada ao aumento da violência, conduziram a sua decisão em 1947 de submeter o futuro político da Palestina à recém-criada  Nações Unidas.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e o deslocamento dos judeus europeus intensificaram os apelos para um Estado judeu. O Yishuv já havia constituído uma infraestrutura quase estatal, com suas próprias instituições políticas, econômicas e militares que facilitaram a transição para o estabelecimento do Estado. A Agência Judaica, liderada por figuras como David Ben-Gurion, assumiu a liderança, negociando com os britânicos e os organismos internacionais.

No fim de 1947, as Nações Unidas propuseram a partilha da Palestina em um Estado árabe e um judeu, com Jerusalém sob controle internacional. Enquanto a liderança judaica aceitou o plano, os Estados árabes e os líderes árabes palestinos o rejeitaram. A rejeição provocou o surgimento da primeira guerra árabe-israelense, que resultou na criação do Estado de Israel em maio de 1948.

O legado do Yishuv

O período do novo Yishuv estabeleceu os alicerces para o Estado de Israel moderno. A habilidade da comunidade judaica para constituir instituições viáveis, fortes e autossustentáveis sob condições adversas demonstrou o compromisso dos judeus, provenientes de diversas regiões geográficas, de participar e persistir em seu empenho de um renascimento nacional. À medida que o Yishuv aumentava a sua população e base territorial, também ampliava o distanciamento político da comunidade judaica com relação à população árabe da Palestina. Os líderes árabes da Palestina e dos países vizinhos recusavam-se a aceitar uma presença política judaica, muito menos uma presença política majoritariamente judaica no Mediterrâneo Oriental. O Mandato Britânico deixou um legado profundo de tensões não resolvidas entre judeus e árabes com respeito ao território, à imigração e à identidade nacional. A tentativa da administração britânica de equilibrar suas obrigações tanto com os judeus como com os árabes no Oriente Médio não conseguiu reconciliar as suas aspirações.

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