ERA II: Da autonomia à soberania – 1948
Theodor Herzl - Central Zionist Archives with permission

Desde 1898 até 1947, o sionismo evoluiu de um ideal a uma realidade concreta: o estabelecimento do Estado judeu, Israel. Quando Theodor Herzl escreveu O Estado Judeu, as pessoas não tinham poder político e detinham poucos recursos financeiros para converter o ideal em uma realidade territorial. Por séculos, os judeus preservaram firmemente a sua identidade coletiva. A morte pela fé ou o sacrifício pela geração seguinte era a regra, não a exceção. Os judeus permaneciam ideologicamente apegados à terra que D’s lhes havia prometido. Nessa metade de século, alguns foram para a Palestina e criaram pequenos assentamentos e enclaves urbanos. Lentamente, eles restabeleceram uma moderna presença judaica na Terra de Israel. Cinco razões explicam o sucesso do sionismo como elemento de união entre o povo e a terra que se transformou em Estado:

  1. Com notáveis exceções, os governos otomano e britânico na Palestina possibilitarm que a comunidade judaica se desenvolvesse com autonomia;
  2. uma população judaica imigrante intensamente comprometida, que trabalhou diligentemente, mostrou coragem, investiu o seu próprio capital e fez sacrifícios pessoais para desenvolver a infraestrutura para a criação de um Estado; 
  3. uma liderança sionista pragmática, que demonstrou prudência e capacidade para estabelecer institiuições e exercer pressão, com razoável sucesso, para a consolidação de um lar nacional; 
  4. uma população árabe-palestina permanentemente empobrecida, sociopoliticamente fragmentada e dirigida por líderes egoístas e intransigentes;  
  5. os acontecimentos fora da Palestina constantemente lembravam os judeus da sua existência precária quando viviam conforme a vontade de outros: os motins contra os judeus (pogroms) na Rússia, o antissemitismo europeu que se transformou na horrenda realidade do Holocausto e a recusa sistemática da comunidade mundial em oferecer refúgio aos judeus em crise. 

Em 14 de maio de 1948, quando foi proclamado o Estado de Israel, a população judaica tinha aumentado de 30 mil habitantes em 1900 para mais de 650 mil. Em setembro de 1939, quando Hitler invadiu a Polônia, 420 mil judeus viviam na Palestina e três quartos das terras que seriam compradas por eles para a criação do núcleo para o Estado já estava sob posse judaica. Indiscutivelmente, o Estado judeu já estava em desenvolvimento antes da ocorrência do Holocausto. Os jornais árabes palestinos e os políticos do final dos anos 1930 reconheceram essa realidade: os sionistas não estavam criando um território nacional, mas um Estado. O território nacional não lhes foi simplesmente entregue, e sim, foi fruto de conquistas. Sem dúvida, os eventos catastróficos da Segunda Guerra Mundial catalizaram a criação do Estado judeu; mas o desenvolvimento organizacional, o planejamento estratégico constante e o improviso para o estabelecimento do Estado ocorreram bem antes de sabermos que 6 milhões de judeus iriam morrer nas mãos dos nazistas alemães. A experiência acumulada ao longo dos séculos já havia ensinado aos judeus que a degradação dos gentios e o antissemitismo eram fatos contínuos. A apática indiferença demonstrada pelas democracias ocidentais para salvar os judeus estimulou a determinação sinonista na criação de um Estado que protegesse a vida e o patrimônio judaico.

Grã Bretanha e Palestina

Para a Grã Bretanha, o acesso ao Oriente Médio e através dele continuavam sendo de vital interesse nacional. Instalados na Índia, na Birmânia e em Áden desde 1858, e no Egito desde 1881, o controle e o acesso britânico pelo Canal de Suez como via de circulação se tornou vital para a comercialização de artigos manufaturados e matérias-primas entre a Inglaterra e o sul da Ásia. A Grã Bretanha buscava uma exclusiva faixa de terra vizinha ao Canal de Suez, em direção ao leste do Golfo Pérsico e Oceano Índico. D.G Hogarth, secretário de Estado da Índia, e posteriormente membro do Britain’s Arab Bureau na cidade do Cairo, referiu-se ao Oriente Médio como uma via de comunicação entre o Ocidente e o Ocidente no Oriente. A Grã Bretanha consolidou a sua presença física em todo o Oriente Médio, incluindo o Afeganistão e a Pérsia, por meio de relações bilaterais, alianças financeiras, declarações de amizade, direitos de acesso a portos de escala, tratados e acordos que tiveram início bem antes da Primeira Guerra Mundial, continuando a existir por várias décadas depois. Particularmente, a Grã Bretanha garantiu às famílias hachemita, kuaitiana, qatarina e saudita direitos ao estabelecimento de governos locais. Com tal propósito, a Grã Bretanha fez diversas promessas aos líderes árabes buscando o apoio deles na guerra contra os otomanos.

Em 1916, os britânicos secretamente negociaram e assinaram o Acordo Skyes-Picot com a França e outras potências, com o único objetivo de controlar fisicamente ou de influenciar as políticas dos líderes onde em breve seriam os ex-territórios árabes do Império Otomano (Líbano, Síria, Iraque, Transjordânia e Palestina). Em 1917, a promessa dos britânicos feita aos judeus na Declaração Balfour, de facilitar o desenvolvimento do Lar Nacional Judeu na Palestina, foi uma peça essencial que se encaixou perfeitamente nos mais importantes planos geopolíticos da Grã Bretanha: criar amizades sustentadas com atuais ou futuros aliados de confiança. Britânicos e sionistas desenvolveram um relacionamento simbiótico. Os britânicos queriam um grupo de pessoas fiel e de confiança que apoiasse, ainda que nem sempre concordasse, a manutenção dos interesses imperiais britânicos na Palestina. Os sionistas desejavam construir o seu lar nacional na Palestina e não se importavam, até pelo menos 1939, que fosse sob o protecionismo britânico.  

Após a Primeira Guerra Mundial, com Oriente Médio vivenciando um período de declínio econômico e administrativo, os britânicos espontaneamente tiraram proveito da dissolução do Império Otomano. Imediatamente, a região se tornou indispensável para a marinha britânica, que na época substituía o carvão pelo petróleo, e estava mais sedenta do que nunca pelo petróleo do Golfo Pérsico. A inauguração em 1935 do oleoduto iraquiano, chegando até o porto palestino de Haifa, aumentou ainda mais o valor imperativo da Palestina para os interesses de segurança britânicos. A área da Palestina passou para o comando das forças militares britânicas em dezembro de 1918. Em 1922, o  Mandato da Liga das Nações para a Palestina reafirmou a autoridade britânica para governar a Palestina; o mandato estipulava especificamente o desenvolvimento do Lar Nacional Judeu, em conformidade com a “capacidade econômica do país para absorver novos imigrantes”. 

Ao governar a Palestina de 1920 até 1948, os britânicos atuaram como única autoridade executiva, legislativa e judicial, geralmete deixando que as comunidades árabe e judaica cuidassem dos seus próprios interesses e necessidades. As prioridades de gastos dos britânicos nunca incluíram a implantação de um sistema educacional público ou a oferta de empréstimos ou outro tipo de ajuda financeira à população árabe rural, historicamente pobre e inadimplente. Os gastos britânicos focaram-se sempre na construção de estradas, portos e instalações militares, com o objetivo e a intenção de assegurar as necessidades imperiais britânicas na Palestina. Como fizeram governando o Iraque no mesmo período após a Primeira Guerra Mundial, a Grã Bretanha usou intencionalmente a receita de impostos gerados localmente para garantir a sua presença imperial. Os britânicos tiraram proveito direto do capital judaico trazido para o estabelecimento da nação sionista. Por volta de 1936, embora o sionistas constituíssem menos de um terço da população total, eles eram responsáveis pela geração de mais de 50% dos impostos.  

A administração britânica reconhecia a Agência Judaica (oficialmente Agência Judaica para a Terra de Israel) como o órgão oficial representativo do sionismo. Quando os britânicos procuraram fazer o mesmo pelos árabes palestinos em 1920, os líderes árabes rejeitaram as inúmeras propostas. Incluindo a recomendação feita pelas Nações Unidas em 1947, que propunha a criação de dois Estados para resolver o problema da Palestina, os árabes palestinos, embora sendo demograficamente a maioria absoluta, boicotaram de forma contínua os oficiais britânicos, os quais eram pessoalmente solidários com a sua causa, e em alguns casos se opuseram veementemente ao sionismo. A repetida decisão de não participar do governo local causou dificuldade para a comunidade árabe limitar a presença judaica na Palestina. A elite política árabe poderia não ter sido capaz de reprimir o sionismo como uma crença, mas certamente poderia ter imposto limites nas prerrogativas sionistas e limitado a dimensão da presença soberana judaica. Os judeus, por sua vez, exerceram pressão e negociaram os seus direitos e proteção com os britânicos em Londres e na Palestina, na Liga das Nações, com o governo americano, e também nas ONU.

O processo de busca e formação do Estado no final dos anos 1930

Se os sionistas tivessem tentado implantar um Estado em uma área em que houvesse um passado de administração pública eficiente ou onde as burocracias locais e regionais fossem capazes de resistir ao estabelecimento da nação, o ideal sionista teria fraquejado. A administração do Império Otomano no Oriente Médio, incluindo a área da Palestina (que vai do Mediterrâneo até o sul do Líbano e norte da Península do Sinai atravessando ao leste do atual Iraque), era administrativamente ineficiente, descentralizada e cercada por corrupção. A maior parte da população árabe local na área da Palestina era rural, analfabeta, pobre e notavelmente ineficiente na produção agrícola. Além do mais, a utilização e o controle da terra era monopolizado por um pequeno grupo privilegiado de coletores de impostos, proprietários de terras, autoridades religiosas, agiotas e notáveis. Esta pequena elite social árabe tinha um estilo de vida que não era desfrutado pelos campesinos pobres e quase sempre endividados. Muitas pessoas importantes optaram por manter e melhorar ainda mais a sua condição econômica, vendendo parte das suas terras aos sionistas. Alguns árabes permaneceram fiéis às suas identidades coletivas; outros envolveram-se em transações de venda de terras aos judeus nos anos 1920 e, décadas depois, tornaram-se leais nacionalistas árabes palestinos. Entretanto, quantias razoáveis de terras árabes foram vendidas para proporcionar aos sionistas o fortalecimento territorial que necessitavam. A maior parte do território da região, incluindo mais da metade da área geográfica total da Palestina, era inóspita ou não apropriada para a agricultura. Tanto que não era nem mesmo registrada em nome de quem quer que fosse. Durante estes 50 anos, a economia rural palestina foi devastada em três ocasiões; a primeira, pela destruição maciça de árvores, plantações e rebanhos resultante de uma praga de gafanhotos debilitante e da luta entre turcos otomanos e britânicos antes e durante a Primeira Guerra Mundial; a segunda, pela seca e colheitas escassas no começo dos anos 1930, que ocasionaram uma queda abrupta das produções agrícolas; e a terceira, pela rebelião árabe entre 1936 e 1939 contra britânicos e sionistas. Após a rebelião, uma boa parte da área rural palestina, assolada como foi pela violência entre comunidades, acabou sendo deixada com aldeias parcialmente destruídas, plantações devastadas, colheitas danificadas e bandos de terroristas rurais que extorquiam comida e suprimentos de uma população já economicamente desgastada. Como consequência de tais devastações, a comunidade árabe na Palestina apresentava pouco vigor para se recuperar, sem contar com o desafio do sionismo, que crescia de forma lenta, porém constante. As elites políticas, inaptas e frequentemente egocêntricas, prejudicaram enormemente a causa árabe palestina, que foi surpreendida pela determinação e perseverança dos sionistas. 

Em 1903, a morte prematura de Theodor Herzl, fundador da Organização Sionista Munidal, iniciou um precedente que viria ser repetido para além dos cem anos seguintes; o movimento sobreviveu a perda de líderes talentosos. O sionismo, e mais tarde Israel, contaram com uma longa lista de indivíduos perseverantes e determinados que compreenderam o padrão de liderança necessário e levaram o movimento adiante. Após a morte de Herzl, a liderança sionista passou para Max Nordau, Chaim Weizmann, Vladamir Jabotinsky, David Ben-Gurion, Menachem Begin e dezenas de outras pessoas. Durante todo esse tempo, milhares de imigrantes judeus chegaram à Palestina com variadas habilidades, algum capital e comprometimento para consolidarem um modo de vida não fosse depedente do capricho de outros. Eles trabalharam na terra e constituíram pequenos povoados. Alguns dos que vieram não gostaram do modo de vida rústico e frequentemente difícil; muitos deixaram a Terra de Israel e abadonaram os esforços para abraçar a experiência sionista. Da mesma forma como seus ancestrais tinham feito na Europa séculos atrás, os sionistas criaram instituições comunitárias para atender às suas necessidades. O Fundo Nacional Judaico, o Jewish Colonial Trust (banco) e a sucursal palestina da Organização Sionista Mundial foram fundados antes da Primeira Guerra Mundial para auxiliar o crescimento do projeto sionista.

Desde a Liga das Nações, os sionistas receberam legitimidade internacional para consolidar o Estado prometido pelos britânicos e, mais tarde, sancionado pela ONU. No desenvolvimento da autonomia política, os sionistas tomaram decisões estratégicas sobre como e onde configurar o seu Estado. Quase sempre, eles enfrentaram problemas financeiros que impossibilitaram o aumento da sua população e a posse de terras. Para os potenciais sionistas, o estímulo à imigração judaica para a Palestina não era tão atraente quanto a emigração para a América do Norte e outras regiões mais estáveis. Auxiliados pelos limitados recursos externos provenientes de apoiadores da causa judaica no mundo todo, os sionistas focaram-se na construção do Estado pois não necessitavam dedicar tempo, efetivo humano e fundos para a defesa das fronteiras palestinas contra ameaças estrangeiras, as quais eram de responsabilidade dos britânicos. Desde o princípio dos anos 1920, os sionistas monitoraram, diária ou mensalmente, todavia sem confronto, a oposição física da comunidade árabe palestina que, do contrário, poderia ter interrompido o estabelecimento do lar nacional. Como os próprios Estados árabes circunvizinhos estavam primariamente dedicados ao seu próprio estabelecimento como nações até a metade e final dos anos 1930, eles deram pouca importância ao emergente conflito entre sionistas e árabes na Palestina.

Os sionistas utilizaram a autonomia política sob o controle britânico para criar e fomentar instituições que basicamente serviam às necessidades judaicas. Onde quer que existesse juventude judaica, a educação era uma prioridade. Os sionistas desenvolveram sistemas educacionais para pré-escola, primário e secundário; geraram oportunidades de aprendizado para o ensino médio com cursos agrícolas, técnicos e de artes, e também criaram universidades como a Academia de Arte e Design – Bezalel, o Technion, e a Universidade Hebraica de Jerusalém, dentre outras. Para a massa trabalhadora sionista, os diversos partidos políticos sionistas ofereciam clínicas de atendimento à saúde e instalações esportivas, que eram elementos intrínsecos à formação da identidade sionista e seus objetivos. Os sionistas criaram instituições de empréstimo, bancos, uma federação do trabalho, cooperativas e forças de defesa próprias (Haganah, Irgun e Palmach). Com a Agência Judaica, surgiram as organizações oficiais para a captação de recursos (Keren Heyesod) e para a compra de terras (o Fundo Nacional Judaico e a Palestine Land Development Company); estas instituições possiblitaram que os imigrantes individuais se tornassem parte de uma comunidade judaica vibrante, formada por  imigrantes de diversas regiões. Os sionistas revitalizaram o hebraico como língua escrita e falada; o idioma tornou-se o elemento unificador dos judeus que lá chegavam com idiomas e bagagens culturais diversas. A Agência Judaica representava os interesses sionistas junto aos britânicos na Palestina, em Londres e na Liga das Nações. Os sionistas tinham uma multiplicidade de ideias acerca da natureza, do escopo e do ritmo do desenvolvimento sionista. Divergências sobre as escolhas de políticas dentro das hierarquias sionistas era algo comum. Algumas vezes contundentes e com frequência extremamente pessoais. Existiam desentendimentos fervorosos entre socialistas e capitalistas, dentre os socialistas e dentre os judeus religiosos que ou menosprezavam ou abraçavam o movimento sionista. Os sionistas debatiam todos os meses se a Agência Judaica era demasiadamente cortês e laboriosa com os britânicos ou não suficientemente agressiva contra o gigante imperial. Um exemplo indicativo dos sionistas unindo esforços em tempos de crise política surgiu em dezembro de 1937. Na época, os peritos que lidavam com a compra de terras constituíram uma organização “guarda-chuva” com seus representantes encarregados de formular uma política estratégica para a aquisição de terras. Confrontados com a incerteza de restrições britânicas para limitar a compra de terras pelos judeus, com pouco dinheiro disponível para efetuar tais aquisições, mas com os árabes tentando vender suas propriedades aos sionistas em todas as regiões da Palestina, opções políticas foram debatidas e implementadas. Veja a reunião do Fundo Nacional Judaico em dezembro de 1937, The Political Significance of Land Purchase.  

Árabes na Palestina

Como era esperado, a elite política árabe palestina e as populações majoritárias rurais ficaram enfurecidas e inquietas com todos os aspectos do crescimento judaico, particularmente com a imigração. Quando a política britânica desviou-se dos objetivos sionistas (como ocorreu com frequência) e ameaçou interromper o desenvolvimento do Lar Nacional Judeu de uma forma geral (como fez com o Livro Branco de 1939), os sionistas reagiram com veemência. Severos desafios ao desenvolvimento judaico foram caracteristicamente contornados; no final dos anos 1930 e 1940, os sionistas desenvolveram meios, todavia que marginais em seu sucesso, para superar as restrições britânicas à compra de terras e imigração. A reclamação enfática era uma opção, mas não o lamento das dificuldades a ponto de interromper o estabelecimento do Estado. Os sionistas permaneceram estratégicos; eram fiéis à Grã Bretanha pela proteção para da sua pequena população e o desenvolvimento de seu empreendimento. Quanto à liderança árabe palestina em geral, ela continuava a boicotar o envolvimento com os britânicos porque Londres deixou de reverter ou anular a política sionista central de construção de um território nacional ou Estado. A recusa violenta dos árabes palestinos em participar de qualquer processo governamental que pudesse implicar no reconhecimento do sionismo foi evidenciado inúmeras vezes, porém não mais intensamente que pela decisão de Mufti Hajj Amin Al Husyani de rejeitar o Livro Branco de 1939. Com seu repúdio ao Livro Branco, Mufti recusou a oportunidade de estabelecer um Estado Árabe majoritário na Palestina, embora seus conselheiros e muitos compatriotas notáveis tenham desejado que ele planejasse um Estado árabe único e majoritário em 10 anos! O dano que os palestinos sofreram pela recusa em aceitar politicamente o sionismo em sua forma subdimensionada ou em apoiar a presença colonial britânica resultou em consequências políticas desastrosas para o árabes. Optando pelo boicote oficial, os árabes palestinos desprezaram muitos oficiais britânicos e, mais tarde, oficiais americanos que eram  simpatizantes declarados de sua causa e estavam fortemente preparados a se oporem ao sionismo. Optando permanecer distantes do envolvimento com a administração britânica, os políticos palestinos abriram mão da capacidade de moldar o conteúdo dos regulamentos locais, das leis e das regulamentações que afetavam a vida diária na Palestina. A sua recusa persistente em fornecer evidências ou testemunhos perante as comissões de inquérito britânicas e das Nações Unidas que examinavam o futuro da Palestina, dificultou bastante a propagação das posições palestinas. Esta foi uma escolha consciente por parte da liderança árabe; o campo de batalha político foi deixado à minoria sionista para apresentar, de forma intensa e repetida, a sua meta para o estabelecimento de um Estado. 

A maioria do pobre campesinato árabe, junto com uma liderança árabe socialmente competitiva e politicamente desordernada, deixaram a sociedade árabe palestina despreparada para organizar qualquer desafio sério contra a construção do Estado sionista. Izzat Darwazzah, uma voz política de peso, fez uma distinção crítica em outubro de 1938 aos colegas nacionalistas sírios, quando disse: “…até setembro de 1937, os judeus falavam sobre a consolidação de um Lar Nacional na Palestina; hoje eles já falam sobre o estabelecimento de um Estado judeu em parte da Palestina. A responsabilidade total por nossas ações recai agora apenas sobre os árabes. Caso os países árabes continuem a se comportar da mesma forma como têm feito até agora com relação à rebelião na Palestina, os árabes desta região serão completamente aniquilados”. Os oficiais do Escritório Colonial Britânico, cuja a maioria tinha simpatia profunda com os árabes da Palestina e se opunha ao sionismo, especialmente em 1939 e 1940, declararam: “Nós não precisamos ter muita simpatia com os árabes que costumam vender as suas terras aos judeus…o proprietário árabe de terras [precisa] ser protegido contra ele próprio. Em novembro de 1945, o Land Transfer Committee Report (Relatório do Comitê de Transferência de Terras, em tradução livre) declarou: “A solução está nas mãos dos próprios árabes… se eles conspiram para escapar da lei [vendendo terras aos sionistas], é difícil para as autoridades defendê-los”. Desde os anos 1920 e até os anos 1940, parte da Palestina estava sendo transformada no Estado judeu enquanto as classes rurais árabes, nas regiões onde as terras eram vendidas aos sionistas, logo já não poderiam trabalhar naquelas áreas, que em breve seriam transformadas em assentamentos rurais judaicos, os kibbutzim e moshavim.

À parte dos limitados interesses de negócios e de comércio, as duas comunidades permaneciam relativamente separadas uma da outra. Elas cruzavam caminhos em cidades maiores, mas apenas de modo irregular, não se envolvendo em reuniões públicas de cunho social ou político. No começo dos anos 1930, apenas alguns esforços haviam sido feitos pelos líderes sionistas e árabes para a negociação um acordo onde a aceitação árabe da presença política judaica pudesse existir, mas as conversações não foram adiante. Entretanto, algumas parcerias comerciais e econômicas árabes-judaicas prosperaram. Demograficamente, eles viviam separados uns dos outros, exceto nas áreas urbanas, onde os bairros árabes e judaicos entrelaçavam-se. Em geral, os sionistas se estabeleceram nas regiões litorânea e de planície da Palestina, enquanto que as populações árabes permaneceram essencialmente nas regiões montanhosas, embora muitos também vivessem em áreas urbanas. O capital sionista importado pelos imigrantes judeus individuais ajudou a financiar projetos de trabalhos públicos por meio da receita de impostos. Sendo assim, tanto judeus quanto árabes beneficiaram-se de empregos no setor público financiados pela administração britânica até alguns meses após a Segunda Guerra Mundial, quando os britânicos visivelmente começaram gastar menos naquele setor, causando um aumento no desemprego, especialmente na comunidade árabe. Durante o período do Mandato, as classes trabalhadoras árabes eram contratadas constantemente nos negócios e assentamentos rurais judaicos, porém este fato não alterou a distância espacial entre as duas comunidades. Notadamente, se comparado a outros lugares no Oriente Médio na mesma época, a presença judaica somada à administração britânica melhoraram dramaticamente o sistema de saúde da Palestina, provocando diminuições significativas na mortalidade infantil árabe e aumento da longevidade.  

A árdua jornada rumo à soberania judaica

Em julho de 1937, o Relatório da Comissão Peel sugeriu que as comunidades árabe e judaica não poderiam viver juntas; portanto, foi proposta a separação das duas populações e a criação de um Estado para cada uma delas. A noção de que o futuro da Palestina poderia resultar na criação de um Estado judeu enfureceu os aliados britânicos do Oriente Médio, assim como seus aliados muçulmanos e árabes do Sul da Ásia. Em função da não viabilidade econômica à proposta de um Estado árabe, o entusiasmo com a solução de dois Estados terminou abruptamente. O principal motivo para o abandono da solução de dois Estados em 1938 foi a conclusão de que o Estado árabe proposto não seria economicamente viável. Em vez disso, em maio de 1939, os britânicos publicaram o Livro Branco sobre a Palestina, o qual, até o Estado ser estabelecido em 1948, truncou dramaticamente o crescimento demográfico e físico do Lar Nacional Judeu. Apesar das restrições, os judeus continuaram a imigrar em pequeno número e os árabes palestinos continuaram dispostos a vender terras aos compradores judeus. As atas das reuniões do Fundo Nacional Judaico no final dos anos 1940 são repletas de exemplos de ofertas dos árabes para vender aos sionistas, os quais não tinham fundos suficientes para efetuar as transações.

No final dos anos 1930, com a iminência de um desastre na Europa e com todos os países do mundo recusando a entrada de imigrantes judeus, os sionistas continuaram com os seus esforços para a formação do seu Estado. A Agência Judaica, por sua vez, desenvolveu um sistema pequeno, porém elaborado, para trazer alguns poucos judeus para a Palestina ilegalmente durante os 10 anos subsequentes às restrições imigratórias britânicas; esta prática era conhecida com Aliyah Bet (ou “Imigração B), o que significa bilti koki ou “imigração ilegal”. David Ben-Gurion, como presidente da Agência Judaica, decidiu ampliar o apoio ao sionismo entre a comunidade judaica norte-americana, que estava em crescimento contínuo (e que era praticamente apática ao sionismo). Em 1942, ele anunciou, em Nova York, a intenção declarada de criar um Estado judeu na Palestina. Os judeus que tinham acabado de chegar aos Estados Unidos ainda não eram uma força na política americana. Até então focados no seu estabelecimento no país, a maioria dos judeus ainda não estava engajada com o sionismo; eles temiam o antissemitismo no Estados Unidos. A maioria se preocupava mais com o desastre que estava ocorrendo com os judeus na Europa e menos em dar apoio ao Estado judeu na Palestina. No final da Segunda Guerra Mundial, mais de 11 milhões de pessoas haviam morrido, 6 milhões eram judeus assassinados pelos nazistas. Ben-Gurion procurou estimular os judeus americanos a apoiarem o Estado judeu. Ele compreendia o impacto político potencial que uma comunidade judaica ativa poderia ter em termos de exercer pressão pelo sionismo na maior democracia representativa do mundo. 

Enquanto os líderes britânicos e americanos estavam unidos em seu compromisso para derrotar o Nazismo, eles divergiam constantemente se deveriam ou não permitir que os refugiados de guerra judeus tivessem a oportunidade de ir para a Palestina. Pressionados pelos seus aliados árabes e com claras atitudes antissionistas, o governo britânico disse “não” à abertura da Palestina a 100 mil judeus refugiados. Por questões humanitárias, o presidente Truman advogou por isso e mesmo assim, desde 1945 até o estabelecimento de Israel, menos de 75 mil judeus haviam imigrado para a Palestina. A noção de que após a Segunda Guerra Mundial a Palestina foi invadida por refugiados judeus vindos da Europa é totalmente falsa. Na ONU em São Francisco, e posteriormente em Nova York, os sionistas exerceram uma forte pressão para que o Estado judeu fosse sancionado; os sionistas opuseram-se radicalmente a uma   administração política para a Palestina, fato que retardaria o estabelecimento do Estado judeu. Corajosamente, os diplomatas sionistas suplicaram aos líderes 

políticos do mundo todo para que permitissem aos judeus o gozo natural do direito à autodeterminação.

Enquanto isso, os árabes palestinos e os árabes dos países circumvizinhos permaneciam divididos por animosidades pessoais e interesses egoístas nacionais. O rei Farouk, do Egito, e o príncipe Abdullah, da Jordânia, confrontaram-se incessantemente sobre o futuro da Palestina, dando pouca importância aos palestinos e mostrando maior preocupação com quem controlaria o território palestino quando e se os britânicos saíssem dali. Mesmo em 1947 e 1948, quando os líderes sionistas abordaram os políticos árabes sobre a questão do estabelecimento de dois Estados para os dois povos, a resposta foi negativa.  O rei da Arábia Saudita, Abdul Azziz Ibn Saud, referiu-se aos judeus na Palestina como “agressores…, buscando perpetuar uma injustiça monstruosa em nome do humanitarismo”.  Ele exagerou o impacto que a guerra teve como causa para os judeus de fato imigrarem para a Palestina; ele não tinha ideia com que frequência os árabes na Palestina haviam mal gerido o seu próprio destino. Em setembro de 1947, durante uma conversa entre sionistas e o secretário geral da Liga Árabe, Abdulrahman ‘Azzam Pasha,  ele enfaticamente disse que “o mundo árabe não está em clima conciliatório, vocês não conseguirão nada por meios pacíficos ou com acordos. Nós vamos tentar derrotá-los. Não sei se venceremos, mas vamos tentar.  É possível que percamos a Palestina.  Mas agora é tarde demais para se falar em soluções pacíficas”.

Fundada em outubro de 1945, a ONU tratou a questão da Palestina como um de seus primeiros assuntos mais importantes em busca de resolução. Em novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas sugeriu, por voto majoritário, na Resolução 181 da ONU, conceder sanção internacional ao estabelecimento de dois Estados na Palestina: um “Estado arabe” e um “Estado judeu” com uma união econômica entre eles.  Como Jerusalém abrigava os locais sagrados das três religiões monoteístas, a ONU deu a ela a condição especial de “cidade internacional”, um fato que nunca se materializou. Assim que terminou a Primeira Guerra Árabe-Israelense de 1948, Jerusalém tornou-se uma cidade dividida, onde Jordânia e Israel controlavam suas partes, e com locais religiosos na Cidade Velha permanecendo sob o controle exclusivo da Jordânia até junho de 1967.  Enquanto isso na Palestina, a Agência Judaica garantia armas e munições para a inevitável chegada da guerra com a população árabe local e países árabes vizinhos. Simultaneamente, os judeus que estavam em territórios árabes próximos à Palestina sentiam a galopante irritação das populações árabes vizinhas e dos seus governos, que se tornavam cada vez mais hostis ao sionismo e aos judeus que viviam ao seu redor. As instituições judaicas e suas áreas residenciais nos países árabaes foram atacadas, fazendo com que 800 mil judeus saíssem dos territórios árabes para imigrar. A maioria deles se dirigiu ao novo Estado de Israel; do mesmo modo, a saída em massa de mais de 700 mil árabes da Palestina fez com que houvesse uma transferência populacional praticamente equilibrada. Entretanto, tal fato não havia sido previsto quando a ONU tomou a decisão de estabelecer um Estado árabe e um Estado judeu em 1947. No final, nenhum Estado árabe foi criado e partes da Palestina permaneceram com os sionistas enquanto que outras sob o controle egípcio e jordaniano. 

A trajetória para o estabelecimento do Estado judeu conteve engajamento, enganos, perseverança, obstinação e foco nas necessidades imediatas, sem a preocupação de como os árabes iriam reagir, particularmente com uma liderança árabe que tomava decisões imprudentes com frequência.  Houve muitos pontos decisivos para o sucesso sionista. Quando a Grã Bretanha saiu da Palestina e de outros lugares pertencentes ao seu império colonial, a infraestrutura sionista desenvolvida meio século atrás crescia lentamente, sobrevivendo à violência árabe e à profunda mudança de política britânica, a qual passou a desejar a eliminação do estabelecimento do Estado judeu. Cada vez que os judeus defrontavam-se com um obstáculo, eles encontravam uma alternativa. Eles engajaram-se no autogoverno sem que tivessem um tipo de governo oficial. Eles desenvolveram uma política externa antes que tivessem um ministério de relações exteriores; eles desenvolveram milícias de combate secretas antes que tivessem um exército oficial; eles aperfeiçoaram uma economia pequena antes que tivessem um PIB nacional; eles cuidavam de suas próprias necessidades sem a força uma lei federal para obrigá-los a agir. A necessidade impulsionou os sionistas. Eles foram colocados contra a parede, movidos por experiências históricas que incluíam a sua identidade à fé e às repetidas manifestações virulentas de antissemitismo.

Um forte desejo tornou-se uma necessidade imperativa na criação de um Estado para eliminar os perigos e oferecer segurança aos judeus. Seis meses após a ONU ter votado, em novembro de 1947, o estabelecimento de um Estado judeu e um Estado árabe por meio da resolução de partilha, os sionistas liderados por David Ben-Gurion declararam o estabelecimento do Estado no dia 14 de

maio de 1948 na Declaração de Independência de Israel. Cincoenta anos antes, Herzl receitou a fórmula do sucesso aos 200 integrantes do Primeiro Congresso Sionista, na cidade suíça de Basileia. “O povo [judeu] pode ser salvo apenas por seu próprio acordo… Se o povo não tiver força para se redimir, não haverá salvação para substituir a sua própria iniciativa.” Em meio século,  com sucesso, os judeus tornaram-se donos do seu próprio destino.