À medida que o sionismo avançava de forma contínua a partir do final dos anos 1800 com a ideia da criação de um lar nacional e até o estabelecimento do Estado judeu em 1948, a condição disfuncional da política árabe-palestina, aliada ao empobrecimento econômico incessante, arraigado em torno de divisões sociológicas, impossibilitou competir de forma eficiente com a comunidade judaica no desenvolvimento de um Estado na Palestina. O processo de criação do Estado judeu avançava lentamente enquanto a sociedade árabe palestina e, portanto, seus vínculos políticos se desintegravam de forma contínua, levando ao estabelecimento de um Estado judeu, mas não um Estado árabe. Isto está especificado no artigo a Collection of Reasoned Palestinian and Arab Views for the dysfunctional condition of the Palestinian Arab’s political state of affairs.

  

É uma conclusão irrefutável, reconhecida por fontes idôneas e confiáveis, de acadêmicos palestinos e israelenses que se basearam em fontes de arquivos em árabe e hebraico, e que de forma coletiva desmascararam a desinformação contemporânea de que os judeus não são um povo, o sionismo é fingimento, ou que a existência de Israel é artificial e apenas é o resultado de conspirações da grande potência contra os palestinos. Já em setembro de 1938, Palestinian and Arab leaders acknowledged that a Zionist state was in the making (líderes palestinos e árabes reconheciam que um Estado sionista estava em processo de desenvolvimento). De acordo com o historiador palestino Issa Khalaf (1997), “Décadas de mudanças sociais árabes palestinas contribuíram para o colapso palestino coletivo, conduzindo à rápida e caótica decomposição e desintegração da organização e liderança de aldeias e cidades”. O Relatório do Comitê Anglo-Americano de Investigação (1946) observou que a rivalidade familiar e as disparidades da sociedade árabe, “divisões que não foram superadas … é em parte o resultado de um nacionalismo sensivelmente menos autoconsciente do que é encontrado hoje entre os judeus”.

O líder palestino Musa Alami examina em The Lesson of Palestine (1949), a razão pela qual o sionismo triunfou, conforme observou: “enquanto os judeus avançavam em direção a uma guerra total; nós (árabes) trabalhávamos em âmbito local, sem unidade, sem totalidade e sem um comando geral. Nossa defesa era desarticulada e atuávamos sem nenhuma organização. Cada povoado lutava por conta própria e apenas aqueles situados em áreas adjacentes às dos judeus entravam na batalha, enquanto os judeus conduziam a guerra com organização e comando unificados, e alistavam toda a população”.  

O acadêmico palestino Rashid Khalidi, em diversas publicações (em 1997 e novamente em 2001), declarou: “a catástrofe palestina de 1947-49 foi baseada em uma série de fracassos anteriores. Os palestinos entraram na guerra logo depois  da aprovação da UN Partition resolution (Resolução da ONU para a partilha da Palestina) com uma liderança profundamente dividida, finanças extremamente limitadas, forças militares e órgãos administrativos não centralizados. Eles enfrentaram uma sociedade judaica diversificada na Palestina, a qual, embora pequena se comparada com a deles, era politicamente unificada, tinha instituições paraestatais centralizadas, contava com uma forte liderança e era extremamente motivada”. Khalidi reconhece que os sionistas adquiriram o território para o núcleo do Estado judeu antes da guerra de 1947-49, uma questão que eu defendi ao longo de uma vida de estudos acadêmicos sobre a venda de terras árabes. De acordo com o Jewish National Fund reporting in 1946, (relatório do Fundo Nacional Judaico em 1946) houve a possibilidade de comprar 250.000 dunams dos proprietários árabes, além de 1,6 milhão de dunams já adquiridos naquela ocasião, (todas as aquisições de terras feitas pelos judeus até 1947 podem ser encontradas nos 20 mapas em Forming a Nucleus for the Jewish State: 1882-1947.  A aceitação árabe sobre a aquisição de terras pelos sionistas encontra-se em Palestinian Arab press already in the early 1930s.

Na compilação que se segue, são fornecidas as referências dos autores árabes e palestinos citados acima. Esta coleção é formada por sete materiais, o último de autoria de Don Peretz, um célebre historiador americano que, ao longo da vida, escreveu detalhadamente sobre a história deles. Don reflete sobre a sociedade árabe palestina antes e depois do estabelecimento de Israel e o deslocamento dos palestinos durante a década de 1940. Outros autores que apontaram as fortes divisões socioeconômicas na sociedade palestina-árabe são: Yehoshua Porath, “Social Aspects of the Emergence of the Palestinian Arab National Movement,” as origens do surgimento do sionismo nacional, Shlomo Avineri, “Zionism as a National Liberation Movement,” e, no final da década de 1940, Moshe Naor, “Israel’s 1948 War of Independence as a Total War,” a colaboração árabe palestina com os sionistas auxiliando a evolução do Estado, todas as descrições a partir de fontes árabes no livro de Hillel Cohen, Army of Shadows, Berkely, 2007. A partir do final do período otomano, as diferenças socioeconômicas separavam de forma profunda as duas coletividades em termos de organização, desenvolvimento e viabilidade econômica. Algumas delas podem ser encontradas em 1931 Census for Palestine e Socio-Economic Differences Preface Palestine’s Political Partition

  -Ken Stein, 7 abril de 2024

Uma coletânea de opiniões lógicas sobre a condição disfuncional do cenário geral político dos árabes palestinos – 1945 1949

  1. 1946 –- “Os árabes [palestinos] estão divididos politicamente por rixas pessoais entre seus líderes, as quais se concentram em torno das diferenças entre os Husseinis e seus rivais. No âmbito social, pelo desnível que separa a pequena classe alta da massa de campesinos — uma disparidade que a nova intelectualidade ainda não é forte o bastante para superar. Consequentemente, os palestinos não desenvolveram uma democracia interna similar a dos judeus. O fato que suas divisões não foram superadas é, em parte, o resultado de um nacionalismo autoconsciente menos intenso do que aquele que existe hoje entre os judeus. Entretanto, também é o resultado de um problema de responsabilidade política. Os líderes árabes, rejeitando o que consideram um Estado palestino com status subordinado e vendo a si mesmos como herdeiros da administração mandatária, recusaram-se a desenvolver uma comunidade árabe autônoma paralela a dos judeus. Nem tão pouco, até hoje, se prepararam para ver sua posição questionada por formas democráticas como eleições para o Alto Comitê Árabe ou formação dos partidos políticos com base popular. Este fracasso é reconhecido pela nova intelectualidade, que, entretanto, tem pouca probabilidade de exercer alguma influência até que consiga o apoio de uma classe média mais numerosa”. “A liderança árabe, conforme citado no Relatório do Comitê Anglo-Americano de Investigação, 1946, pág. 36.
  1. A partir da década de 1940 … “décadas de mudança social contribuíram claramente para o colapso coletivo e a fuga [dos árabes palestinos] nos meses de 1948, ou seja, uma rápida e caótica decomposição e desintegração da organização e liderança social e política de aldeias e cidades. No contexto de uma autoridade nacional palestina ausente, da fuga precoce de milhares de pessoas da classe alta e média, e de um governo colonial que se retirava apressadamente do país, não havia um organismo que pudesse coordenar e organizar a resistência e manter os serviços públicos básicos para evitar o colapso generalizado das instituições e da autoridade coletiva. Dr. Issa Khalaf, “The Effect of Socioeconomic Change on Arab Societal Collapse in Mandate Palestine,” International Journal of Middle East Studies, vol. 29, No. 1 (February 1997), pp. 93-112.

3. 1949 — “Na primeira fase (da guerra) a razão  principal da nossa fragilidade [árabe palestina] era que, embora não nos pegaram de surpresa, estávamos despreparados, enquanto os judeus estavam totalmente preparados. Nós continuamos seguindo as pautas das revoluções anteriores, enquanto os judeus avançavam em direção a uma guerra total; nós trabalhávamos em âmbito local, sem unidade, sem totalidade e sem um comando geral. Nossa defesa era desarticulada e atuávamos sem nenhuma organização. Cada povoado lutava por conta própria e apenas aqueles que estavam em áreas adjacentes às dos judeus entraram na batalha, enquanto os judeus conduziam a guerra com organização e  comando unificados, e alistavam toda a população. Nossas armas eram rudimentares e deficientes; as armas dos judeus eram excelentes e poderosas. Era óbvio que nossos objetivos na batalha eram diversos; o objetivo dos judeus era unicamente a vitória. Estas mesmas fragilidades voltaram a se repetir na segunda fase da guerra com relação ao sistema de defesa dos exércitos árabes. Havia desunião, falta de comando unificado, improvisação, diversidade de planos e, acima de tudo, indolência e falta de seriedade para ganhar a guerra. Assim como fracassamos na esfera militar, o mesmo aconteceu no âmbito da política. Nossas ações eram improvisadas, nossa conduta de governo foi uma sucessão de erros enormes: não tínhamos um objetivo claro e nenhuma política estabelecida. O resultado natural de tudo isso foi um desastre e a perda da Palestina. Musa Alami, “The Lesson of Palestine,” Middle East Journal, October 1949, Vol.  3, No.4 pp. 373-405.

4. Nota ao leitor — O professor Rashid Khalidi é o autor dos parágrafos 4 e 5 aqui publicados separadamente. O primeiro foi publicado em 1997, e o segundo em 2001. Seus conteúdos são muito semelhantes e, ainda assim, são suficientemente distintos para incluí-los. Como autor, Khalidi teve o direito de parafrasear a si próprio. As fontes de publicação dos dois materiais revelam suas avaliações sobre os motivos pelos quais os palestinos perderam a guerra de 1947-1949 contra Israel. 

“Assim, a nakba, a “catástrofe”, de 1947-49 foi o resultado e a conclusão de uma série de fracassos e derrotas. Os palestinos tinham uma liderança dividida e recursos financeiros extremamente limitados, careciam de forças militares organizadas e não contavam com aliados confiáveis. Por sua vez, enfrentavam o movimento sionista e uma sociedade judaica na Palestina a qual, embora pequena, era politicamente unificada. tinha instituições centralizadas, contava com uma forte liderança e era extremamente motivada. Os horrores do Holocausto tinham acabado de ser revelados, o que instigou ainda mais a determinação de ações para consumar os objetivos do sionismo. Como vimos, a liderança sionista há muito tempo conquistou a contiguidade territorial com a aquisição de terras e o estabelecimento de assentamentos que lhes proporcionaram domínio em forma de “N” sobre o território, desde a faixa litorânea até Marj Ibn ‘Amir/Vale de Jezreel e o Dedo da Galileia. Os sionistas também se beneficiaram do respaldo internacional — tanto dos Estados Unidos como da União Soviética. Ambos apoiaram a partilha da Palestina e reconheceram imediatamente o novo Estado de Israel. Finalmente, a liderança sionista estabeleceu entendimentos com o importante ator do poder militar árabe, a Jordânia, cujo líder tinha a ambição de controlar os territórios da Palestina que não haviam sido absorvidos por Israel, e que também controlava as forças iraquianas enviadas para a Palestina em 1948.

Em vista de desta crônica de fracassos do lado dos palestinos, era compreensível que seus inimigos pudessem supor que sua retórica tinha sido correta e que, de fato, os palestinos realmente não existiam. Na verdade, teria sido compreensível que, apesar da disparidade em número a favor dos palestinos, uma economia mais forte (até 1948, a economia judaica da Palestina era superior que a árabe), um melhor poder de fogo, uma organização superior e um considerável apoio das grandes potências da época permitiriam ao Estado israelense triunfar sobre a população palestina de 1,4 milhão de habitantes precariamente liderada, predominantemente rural e analfabeta”. Professor Rashid Khalidi, Palestinian Identity: The Construction of Modern National Consciousness, Columbia University Press, 1997, pp. 190-191. 

5.  “Assim, a catástrofe palestina de 1947-49 foi anunciada com base em uma série de fracassos anteriores. Os palestinos entraram na guerra logo depois  da aprovação da UN Partition resolution  (Resolução da ONU para a partilha da Palestina) com uma liderança profundamente dividida, finanças extremamente limitadas, forças militares e órgãos administrativos não centralizados. Eles enfrentaram uma sociedade judaica diversificada na Palestina, a qual, embora pequena se comparada com a deles, era politicamente unificada, tinha instituições paraestatais centralizadas, contava com uma forte liderança e era extremamente motivada. Os horrores do Holocausto tinham acabado de ser revelados, o que instigou ainda mais a determinação de ações para consumar os objetivos do sionismo. Os sionistas há muito tempo conquistaram a contiguidade territorial com a aquisição de terras e o estabelecimento de assentamentos que lhes proporcionaram domínio em forma de “N” sobre o território, desde a faixa litorânea até Marj Ibn ‘Amir/Vale de Jezreel, e o Dedo da Galileia. Este era o núcleo estratégico do novo Estado e o trampolim para sua expansão. O resultado do conflito palestino-israelense de 1947-48 foi, portanto, um sucesso óbvio. Os palestinos eram mais numerosos, mas, como vimos, o Yishuv contava com vantagens mais importantes: dispunham de uma economia mais diversificada, melhores recursos financeiros, maior poder de fogo, organização superior e o apoio considerável dos Estados Unidos e da União Soviética.  Todos estes fatores permitiram que o emergente Estado israelense triunfasse sobre a população palestina de 1,4 milhão de habitantes, pobremente armada e predominantemente rural e analfabeta”.  Professor Rashid Khalidi, “The Palestinians and 1948: the underlying causes of failure,” in The War for Palestine: Rewriting the History of 1948, eds. Eugene L. Rogan and Avi Shlaim, Cambridge University Press, 2001, p. 30.

6. Um renomado comentarista palestino argumentou que a teimosia palestina custou caro ao seu povo: “a rejeição da decisão sobre a partilha em 1947 converteu metade da população palestina em refugiados e os privou da soberania palestina sobre nossas terras na Cisjordânia e Faixa de Gaza… a rejeição das Resoluções 242 e 338 impediram a oportunidade de estas serem implementadas quando o mundo desfrutava algum tipo de equilíbrio de poder com a existência do campo soviético. Como a partilha das fronteiras, segundo a qual o povo palestino obteria 48% de seu território histórico, se tornariam fronteiras de trégua em 1949, quando estas não excedem 22% do território histórico da Palestina? E como a Cisjordânia se converteu em um pedaço de queijo suíço cortado por assentamentos por todos os lados? E como, em Jerusalém, nós nos tornamos uma minoria que Israel buscava se livrar? O tempo, meus irmãos no HAMAS, não trabalha a nosso favor [dos palestinos]”.  Muhammad Yaghi, “The Dangers of Hamas’s Policy  Al-Ayyam , March 13, 2006.

7.  Don Peretz, “Palestinian Social Stratification – the Political Implications, “ in Gabriel Ben-Dor (ed.) The Palestinians and the Middle East Conflict, Turtledove Press, 1979, pp. 403-427. Este resumo do seu artigo é apresentado porque reflete as visões mencionadas nos seis parágrafos anteriores, mas foi escrito duas décadas antes das outras avaliações. Don Peretz escreveu um dos vários livros importantes sobre os refugiados palestinos publicados nas décadas de 1960 e 1970. Este artigo é um resumo das constatações que ele publicou em outros lugares, incluindo Palestinos, refugiados e o processo de paz no Oriente Médio, 1993. A avaliação de Peretz é objetiva, detalhada e apresentada sem preconceitos ou polêmicas – kws 4.2023 (Todo crédito por estas constatações e avaliações pertencem ao autor, Don Peretz). 

pp. 404.  “Frequentemente, os palestinos são considerados um grupo coeso ou monolítico, com uma identidade distinta cujas características comuns têm criado um forte sentimento nacional. Enquanto muitas de suas experiências mútuas durante o último meio século ajudaram a constituir certas reações e percepções comuns, entre os palestinos permanecem significativas diferenças sociais e de classe. Em tempos de tensão política ou de estresse, como durante a Revolta Árabe de 1936-1939, ou no período após a Guerra de 1967, existe uma tendência para ignorar estas diferenças. Para alguns observadores, a comunidade parecia estar estimulada para uma ação política mais ou menos unificada”.

  •                       *                               *                                 *

“Antes da debandada palestina em 1947-1948, a sociedade árabe palestina não era monolítica. Era estratificada vertical e horizontalmente. Dentro de cada segmento estratificado da sociedade existiam fragmentos cruzados e subfragmentos. A sociedade era caracterizada por diferenças regionais acentuadas, que distinguiam os nortistas dos sulistas, os habitantes das colinas dos habitantes das planícies, os nômades da população com habitação fixa, os moradores da cidade dos aldeões e os cristãos dos muçulmanos. Estas diferenças na estratificação tiveram importância tanto econômica como social e política. Embora a sociedade palestina tenha sido dilacerada pela guerra árabe-israelense em 1947-1948, muitos elementos da estratificação que caracterizaram a sociedade durante o Mandato Britânico continuaram no quarto de século da diáspora”.

“De acordo com as autoridades do Mandato Britânico, a estrutura da sociedade árabe era quase feudal. A aristocracia muçulmana proprietária de terras que havia servido as autoridades otomanas era efêndi ou a classe governante que dominava a sociedade árabe. Muitos eram ricos, bem-educados e haviam adquirido uma sofisticação ocidental por meio de diversos contatos com europeus. Mas sua coesão como uma classe politicamente eficaz foi impedida em decorrência das rivalidades tradicionais com as principais famílias, sendo que Husseini e Nashashibi eram as duas mais influentes.  Os membros destas e de outras famílias de notáveis muçulmanos tinham assumido a liderança durante o período otomano. Sob o Mandato, continuaram a controlar a vida religiosa, política e social organizada da comunidade árabe”.

“O movimento de famílias notáveis para as cidades começou no fim do século 19 e se intensificou no processo de rápida urbanização durante o mandato. Os líderes de famílias importantes continuaram a exercer o controle e a autoridade sobre as aldeias de onde vieram, a partir de suas novas bases urbanas. Assim, a liderança é caracterizada pelo domínio das famílias notáveis que se urbanizaram, mas as diferenças regionais que haviam sido marcadas por rivalidades entre famílias desde que viviam nas aldeias continuaram. À medida que aumentavam as rivalidades políticas entre as duas famílias principais, Husseini e Nashashibi, e conforme cada um dos dois grupos adquiria mais poder, ambos chegaram a dominar o cenário político, embora os Nashashibis tenham sido bastante ofuscados pelos poderosos Husseinis, os quais intensificaram consideravelmente a sua influência em virtude do controle sobre o Conselho Supremo Muçulmano. As famílias menores e suas aldeias ou afiliados regionais avançavam em se identificar com um ou outro grupo. Ao longo da era do mandato, a classe alta era segmentada horizontalmente em grupos sub-regionais, entre os quais as tensões eram maiores que as existentes entre classes ou facções religiosas.

“Frequentemente, as diferenças regionais eram onde as tensões entre cidades e povos se expressavam na identificação com uma das principais famílias políticas. A oposição ao domínio de Husseini, centrado em Jerusalém, se desenvolveu em Hebron, em Gaza e no norte. Houve dois casos em que os xeiques das aldeias se desvincularam ativamente do mesmo movimento antissionista por conta de tensões tradicionais entre aldeias e cidades. Esta amargura se tornou evidente durante a década de 1920, quando as associações políticas urbanas não tinham vínculos fora das cidades e “em nome das aldeias foram contrárias a todas as atividades corruptas que impediam a segurança da comunidade” embora houvesse o apoio geral de todo o país para a rebelião árabe de 1936-1939 contra a Grã Bretanha. As disputas e os enfrentamentos causaram mais mortes na comunidade árabe que entre os britânicos e os judeus”.

“Quem tinha mais influência depois dos proprietários de terras era a classe média urbana, formada por profissionais e empresários. Eles controlavam as poucas indústrias pequenas, como a fábrica de sabão de Nablus. Alguns eram donos de pomares de frutas nas planícies. Outros dirigiam os jornais locais, normalmente cooperavam com uma ou outra família muçulmana notável, frequentemente quando adquiriam riquezas e compravam terras, se uniam por casamentos mistos e novas alianças com a nobreza. E os filhos da nobreza detentora de terras começaram, no final do século passado, a exercer atividades profissionais e comerciais urbanas. Diversos profissionais de classe média, médicos, advogados, editores, educadores e funcionários do governo eram cristãos. A distância tradicional entre muçulmanos e cristãos diminuiu como resultado da oposição comum aos dois principais inimigos dos árabes palestinos: os governantes britânicos e o establishment sionista, o que levou a uma identificação mútua nas associações políticas dominadas pelas famílias muçulmanas notáveis”.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

A grande maioria dos palestinos era formada por campesinos ou fellahin, alguns proprietários de pequenas fazendas, mas a maioria dos arrendatários era a mão de obra contratada para trabalhar nas propriedades da nobreza (proprietários de terras/efêndi). No nível social mais baixo, os beduínos nômades do deserto trabalhavam, em grande parte, em atividades pastorais, embora muitos se dedicassem à agricultura de sequeiro primitiva. 

Ao longo da era mandatária, entre 2/3 e 3/4 da população árabe muçulmana era formada por campesinos rurais dedicados à agricultura, em comparação com 3/4 da população árabe cristã que era urbana. A característica marcante desta classe (rural), de acordo com a Comissão Real Britânica de 1937 e o Comitê Anglo-Americano de Investigação de 1946, era a sua pobreza. A pobreza do solo, os métodos agrícolas obsoletos, a insegurança sobre a posse da terra, a limitação dos mercados e a taxa de crescimento populacional cada vez maior conspiraram para empobrecer os fellahim.

Em 1930, o Relatório Johnson-Crosbie (investigação do governo palestino) estimou que 30% das famílias rurais não tinham terras e que mais de um terço dos campesinos árabes tinham menos que a quantidade mínima de terras para a subsistência. 

Os abastados proprietários de terras e comerciantes acumulavam riqueza; muitos pequenos agricultores e campesinos sem terra foram atraídos para as cidades em busca de empregos escassos no processo de urbanização resultante. A população árabe nas cidades cresceu em torno de 85% entre 1931 e 1944, um período em que a população rural cresceu apenas 40%. Muitos dos desempregados, o proletariado urbano e aqueles que se encontravam no nível mais baixo da escala salarial disseminaram o interesse urbano e a agitação política desta época.

Página 407: “A sociedade palestina se beneficiou da melhoria da assistência médica no período do mandato. A população árabe quase dobrou entre 1920 e 1940. Apesar de muitos reveses econômicos, a renda per capita árabe palestina em comparação com o resto do mundo árabe alcançou o nível mais alto. O grande benefício do desenvolvimento econômico da Palestina foi para a nova classe média. A imensa maioria, os pequenos agricultores, os campesinos sem terra, os beduínos e o proletariado urbano se beneficiaram pouco”.

“Deve-se enfatizar que na década de 1940, a economia e a população da era palestina passavam por uma profunda mudança. Terras que foram vendidas por proprietários individuais, que podem ter vivido na Síria e Líbano (como resultado das novas fronteiras delimitadas pelo Acordo de San Remo em 1920), como também os palestinos que venderam suas propriedades, não apenas para os judeus, mas também para os árabes locais. Embora aproximadamente um terço dos agricultores permanecesse sem terras, a posse de terras recaía principalmente sobre os pequenos proprietários que viviam em aldeias. Em muitos casos, a terra era propriedade comum dos aldeões (musha’), e a cada ano alternava de agricultor para agricultor, uma prática que tendia a alterar o padrão de cultivo e diminuir a produtividade”.

Página 409: “Dada a segmentação da Palestina em uma classe governante britânica, o Yishuv judeu e uma sociedade árabe ou um grupo de comunidades com organização bastante amorfa, cada um dos mencionados acima era relativamente autônomo e isolado em sua vida cultural, educacional, social e econômica dos outros dois; não foi difícil para a liderança árabe criar a ilusão de uma comunidade nacional, estimular sua oposição ao domínio britânico e à ameaça de invasão sionista. Um número cada vez maior de estudos que examinam a comunidade árabe palestina durante o Mandato e, na realidade, o desempenho desta comunidade durante a crise de 1947-1948, corroboram a fragmentação, a fraqueza interna e até que ponto a unidade política nacional era uma ilusão. Embora a Palestina árabe estivesse em transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade modernizada, a ilusão de unidade política era prematura”. 

Como e por que os palestinos fogem — para onde vão e como se modificam sociologicamente durante os próximos 20 anos.

Páginas 409-410: “O padrão de estratificação horizontal e vertical entre os árabes palestinos durante o mandato foi um fator institucional importante na desintegração da comunidade durante a guerra árabe-israelense de 1948. Enquanto atrocidades como as de Dir Yasin espalhavam medo e pânico na Palestina árabe, o colapso das instituições coletivas provavelmente causou mais distúrbios, levando ao êxodo de cerca de 80% dos árabes que viviam no território controlado por Israel. O padrão de fuga também refletiu na estratificação social da comunidade. Uma grande parte dos influentes líderes políticos árabes, especialmente aqueles ativos nos grupos dominantes dos Husseini, tinham deixado o país antes do começo da Guerra Civil entre judeus e árabes. Alguns (milhares) tinham sido expulsos pelos britânicos e estavam proibidos de retornar desde a década de 1930. Começando em pequena escala no fim de 1947 e no início de 1948, cerca de 30.000 árabes, em sua maioria de famílias abastadas e de classe média, em tempos de instabilidade social ou revolta; não era raro que famílias de classe média buscassem refúgio com familiares ou amigos nas regiões vizinhas”. 

Página 411: “Como a Guerra Civil [na Palestina no final da década de 1940] ganhava impulso, muitas comunidades árabes na Palestina ficaram desprovidas de líderes. Quando os britânicos retiraram precipitadamente sua administração e seus serviços do país, as comunidades árabes foram as mais afetadas. A maior parte das funções de governo nas regiões árabes estavam sob o controle britânico e, quando se retiraram, permaneceu um vazio coletivo. Não havia nenhum órgão árabe organizado para substituir os serviços governamentais essenciais para a estabilidade comunitária. Com o desaparecimento das funções governamentais necessárias para manter a lei, a ordem e o bem-estar, como água, eletricidade, correios, polícia, educação, saúde, e saneamento, o moral árabe também entrou em colapso” .

“A comunidade árabe se tornou uma presa fácil para rumores e histórias exageradas de atrocidades. A histeria alimentou um crescente número de vitórias militares dos judeus e a extensão do controle do seu controle sobre uma vasta quantidade de cidades e aldeias árabes. As fissuras verticais e horizontais na sociedade foram ampliadas e as diferenças coletivas entre classes, regiões e seitas impediram qualquer ação unificada. Não havia nenhuma voz árabe dominante que inspirasse confiança entre as massas, ou que impedisse a sua debandada, a qual ganhou impulso até levar a maior parte da comunidade árabe palestina nas áreas judaicas ocupadas”. 

“Depois da primeira guerra da Palestina em 1947-1948, a população dos países árabes foi dividida em quatro grupos principais. Menos da metade permaneceu em seus lares originais. 

  • Cerca de 160 mil ficaram em Israel;
  • Aproximadamente 350 mil ficaram sob o domínio da administração jordaniana na Cisjordânia;
  • Entre 70 e 100 mil sob a ocupação egípcia na Faixa de Gaza;
  • Além disso, cerca de 750 mil refugiados ficaram espalhados nas regiões acima citadas e no Líbano, na Síria e na Jordânia [em cerca de 63 campos de refugiados, onde os palestinos não receberam cidadania nacional, exceto na Transjordânia]

“Se antes da guerra havia pouca unidade de coesão política, agora havia ainda menos. Os palestinos estavam espalhados sob diversas instituições nacionais. Havia grande tensão entre os refugiados e não refugiados, mesmo entre os não refugiados que eram palestinos. A culpa por derrotas militares, fracassos políticos, distúrbios sociais e reviravolta econômica era passada livremente de um grupo para o outro. A liderança anterior, tal como era, estava amplamente desacreditada. Tanto as comunidades palestinas de refugiados como as de não refugiados estavam em desordem, entrando em um período de duas décadas de repressão política e fragmentação social ainda maior, como a que existia na Palestina antes da guerra.

“Uma geração após a fuga palestina em massa, as estimativas populacionais da era palestina indicavam que o seu número havia mais que duplicado, chegando superar 3 milhões de almas. Em 1975, cerca da metade dos 3 milhões de palestinos espalhados pelo Oriente Médio estavam registrados como refugiados na UNWRA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina)”.

“A mudança mais evidente entre os refugiados foi a sua descampenização. Este termo, mais que proletarização ou urbanização, é usado porque o processo foi negativo; sendo que os refugiados perderam suas habilidades e capacidades como agricultores ou campesinos, mas não se integraram nos centros urbanos adjacentes aos seus campos, nem adquiriram novas habilidades ocupacionais não agrícolas; houve um grande afastamento da agricultura”.

“A descampenização dos refugiados e não refugiados palestinos têm implicações positivas e negativas para o futuro. Por um lado, antes de 1948, os palestinos eram considerados os agricultores mais qualificados e produtivos no mundo árabe. Apesar da enorme pobreza, baixa produtividade e métodos agrícolas ultrapassados pelos padrões europeus, os palestinos eram, junto com os egípcios, os melhores agricultores entre os árabes. Dentro das limitações de habilidades, o campo cultural árabe na Palestina havia alcançado um ponto de saturação ao final do mandato, segundo muitas estimativas. A expansão agrícola não foi considerada como resposta ao futuro desenvolvimento econômico da Palestina. Certamente, uma Palestina árabe reconstituída na Cisjordânia seria capaz de sobreviver tendo a agricultura como sua indústria principal. Uma grande proporção de palestinos está agora em campos de refugiados na Cisjordânia e Gaza, e a maioria dos que poderiam voltar à nova Palestina teriam que encontrar outro emprego”.

“Enquanto muitos palestinos têm prosperado nos países árabes desde 1948, em uma variedade de profissões, negócios e atividades econômicas, a estrutura social ainda parece uma pirâmide invertida.  Na base estão os refugiados que vivem em campos. Eles têm vivido uma geração em meio à incerteza política, reviravolta econômica e instabilidade social. Bem, descampenizados, são basicamente um proletariado deslocado e incapacitado”.

“Muitos dos 63 campos entre parênteses (53 estabelecidos e 10 de emergência) são parte de centros urbanos ou adjacentes a eles. Assim, a maioria dos moradores dos campos de refugiados, e uma proporção substancial de refugiados que não vivem em campos, são semiurbanizados na base da escala social. Poucos têm emprego permanente, embora a maioria das famílias seja capaz de suplementar a assistência fornecida pela UNRWA com a renda proveniente de trabalhos temporários pouco remunerados e remessas feitas por familiares do sexo masculino que encontraram oportunidades no exterior, em locais como Líbia, Kuwait e outros Estados do Golfo. Desde 1967, vem aumentando o número de árabes empregados em Israel, uma grande proporção dos quais são de Gaza na Cisjordânia. Um economista israelense estima que os árabes (aproximadamente a metade israelense e a outra metade de áreas ocupadas) integram quase que 25% da mão de obra nas “indústrias produtivas” de Israel. p. 412.

Ken Stein, abril de 2024